Comidaria

Atualmente o “food porn”, termo frequentemente usado com sentido positivo sugerindo que a comida retratada é atraente, sensual ou desejável, sobrecarrega as redes sociais em imagens glamourosas milimetricamente editadas e perfeitamente montadas. Refeições caseiras ganham ares luxuosos e muitas vezes novos nomes, para delírio do capital. Os antigos carrinhos de comida, saudosas kombis do “dogão” ou de pernil, viraram food-trucks, asinha de frango agora é chicken wings, pipoca, pipó, miolo de acém, tornou-se chuck eye roll e, na falta de criatividade, agrega-se o sufixo “ria” para denotar uma qualidade além do trivial, ”gourmet”, e eis que surgem esfiharias, doguerias, coxinharias, tapiocarias, bolarias. Tudo lindo, bem fotografado, tudo igual, bem mais caro… e sem glúten, claro.

A comida sempre foi reveladora de uma identidade social, tanto mais para geração Instagram. Se você vive na internet, pensaria que o país inteiro está fazendo pão de fermentação natural, ordenhando suas próprias vacas ou preparando seu leite de aveia orgânico. No entanto, fora das redes, há um outro universo mais veraz e espontâneo no qual pessoas comuns comem rosquinhas com unhas sujas, misturam feijão com batata frita e se lambuzam de sorvete.

Bem distante dos programas culinários e dos livros de receitas que procuram nos fazer salivar, a exposição “Food” questiona a nossa relação com a comida ao entregar pratos eternizados em fotografias altamente saturadas, em close, sem cenários, frescuras nem encenações. Nada de minúsculos pratos “gourmetizados” em busca de publicidade, likes ou seguidores, aqui Martin Parr exalta a comida ordinária de pessoas comuns, trabalhadores, aposentados, barracas de rua, lanchonetes, feiras e botecos. Todo e qualquer detalhe que não seja o lanche, o alimento, a merenda ou bocas e mãos a comer, sai do enquadramento. Toda experiência sui generis é negada. Como escreveu a poeta Eleanor Lerman sobre o livro “Real Food”*, “Parr propositalmente remove a comida de seu ambiente contextual, rejeitando experiências singulares e permitindo que o espectador atribua suas próprias associações com as fotografias”. Lembra o prato perfeito? Ele segue estampado nas capas de revistas enquanto nos empapuçamos com hambúrgueres, linguiças, doces rosados e outras iguarias.

Sempre ácido, Parr mais uma vez liquida a linda persona feliz e perfeita de nós mesmos e nos indica com fina ironia: não somos tão glamourosos assim.

Paulo Kassab Jr.