Enredo Imaginário

Luiz Hermano é um estudioso da linha. Como bom desenhista que é, a manipula em qualquer natureza ou dimensão: desde a bidimensionalidade de uma folha de papel ou de uma chapa metálica até a tridimensionalidade de um fio de borracha ou de cobre. De-lhe uma linha e ele te dará o universo. O seu entendimento da linha, no entanto, difere de alguns mestres dessa vertente, como Alexander Calder ou Saul Steinberg, que, num manejo gracioso da mesma, obtém formas dinâmicas e convincentes. A forma, para Luiz Hermano, é a consequência. Seu interesse está naquilo que a linha transmite.

Isso porque seu tratamento da linha não concebe a mesma como um elemento inocente, mero veículo para arranjos formais. Compreende-a como um nervo, um condutor, um fio, um meio de transporte para um estímulo, uma carga, uma mensagem. As linhas de Luiz Hermano carregam consigo uma alta voltagem. Podem se transformar em qualquer coisa. E também engolir qualquer coisa.

Um material que tem frequentado a sua poética em tempos recentes são os fios de cobre, elemento conhecido por ser excelente condutor de carga elétrica e esmagadoramente empregado em transmissão de energia. Da mesma forma que nossos nervos e neurônios atuam como condutores de energia em circuitos orgânicos, os fios de cobre cumprem esse papel nos circuitos elétricos maquínicos. Luiz Hermano gosta de todos esses. Precisa apenas viabilizar a passagem de energia, e aí sua atitude lembra a de um eletricista.

Alguns de seus trabalhos em cobre consistem em estranhos redemoinhos, aparentemente disformes, mas que trazem consigo outros emaranhados que compõem seres e objetos reconhecíveis, como pessoas, elefantes, cachorros, carros e aviões. Tudo isso formado por complexos e infindáveis emaranhados de fio de cobre, que criam uma sensação forte de vibração, um luminoso e lancinante fluxo de vida e energia que emana desses tortuosos arranjos. Uma chama quase ritualística, que engole tudo. Não à toa muitos desses personagens ali enroscados eram estruturas independentes que acabaram engolidas por esse braseiro cúprico.

Dada a alta carga de energia que parecem emanar, os fios de cobre podem ser utilizados em infindáveis possibilidades. Em um determinado arranjo, esses seres são dispostos em sequência enroscados numa espécie de varal metálico. Almejando ao bidimensional, as composições parecem criar uma narrativa, que o artista chama de Contos. Também podem se metamorfosear em objetos peculiares, como por exemplo no objeto cujo formato lembra o pelego de algum animal (que Luiz Hermano batizou de Preguiça, possível homenagem ao animal tropical ou talvez só um elogio a celebração do ócio),e que poderia ser usado como tapete. Por seu aspecto delicado e luminoso, o fio de cobre pode emanar um aspecto têxtil e macio. Em outra escultura, cuja base é um prato de bateria (feito do sempre onipresente cobre, mas agora feito para conduzir sons), se configura um complexo que imita (ou se torna) uma cabeça de elefante. Natural, a energia que seu material carrega é tamanha que seus seres ganham vida. E uma vez vivos, podem ser caçados, como é o caso do proboscídeo cuja cabeça sob o prato parece ser apresentada como um troféu de caça.

No papel, longe dos filamentos de cobre, a linha se comporta da mesma forma, como uma nervura. Tortuosa, pulsátil, sensível. As situações e escritos por ele traçados estão sob alta tensão. A tal ponto que as linhas que os conformam, submetidas a uma alta frequência, parecem conflitar com a configuração que assumem. Luiz Hermano consegue contar histórias com elas, mas reconhece sua instabilidade. Seus desenhos parecem estar a beira de um curto circuito.

Somos feitos de fios. Nossa arquitetura interna, do microscópico neurônio aos nossos mais vitais órgãos são complexos de filamentos. Nossas máquinas, cada vez mais vivas, consistem em placas e fios elétricos (ou então que vibram através de ondas não matéricas, como o rádio e o wi-fi). Luiz Hermano entra como estudioso de anatomia ou engenharia elétrica, colocando um pouco mais de clareza sobre nosso funcionamento.

Theo Monteiro