Desenhos

Antes era o verbo? E antes dele o tempo. Com ele, as primeiras formas em desenhos pictóricos, imagéticos. Animais, objetos, símbolos pintados na parede para registrar informações. E o tempo. Formas se simplificam e abstraem para criar sons, fonemas e, em seguida, geram códigos: linhas criam letras desenhadas que juntas fazem “céu”, “casa”, “cavalo” – com traços distintos dos pequenos pontos aglomerados, do triângulo sobreposto a um quadrado ou um torso e quatro patas.

Letras desenhadas fazem “flutuar”, que antes de significar o estado de um corpo suspenso no ar ou em superfície líquida, vem do latim “fluctus”: “onda” ou “movimento ondulatório”, portanto, enquanto verbo, se referia ao ato de oscilar, mover-se em ondas.

No dicionário a palavra se explica, na poesia, volta a ser imagem primordial. Se distrair dessa simples sentença pode nos confundir na exposição de Amália Giacomini. Enquanto imaginava que já a havia compreendido relacionando obras recentes sobre matemática, linhas catenárias1, correntes curvadas suspensas sob o peso da gravidade, ela comentou: “tenho pensado em bichos do mar. Eu vejo arraias.” As letras que formaram onda, desenham um animal, corpo suspenso no espaço. Preso ao glossário, eu não vi..
Manoel de Barros diria que:

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.

Instalação ou mostra, como queira nomear, “Flutuações, de Amália Giacomini é justamente a alteração da função, delírio do verbo, geometria em mar, desenho esculpido. Desenho: este era o outro nome que a artista havia pensado para as obras. No descomeço o era o verbo e eu não vi. Ficamos com os dois: imagem e palavra.

Paulo Kassab Jr.

 

 1. As catenárias são curvas matemáticas que surgem naturalmente quando uma corrente flexível ou um cabo uniformemente flexível é suspenso entre dois pontos fixos. A forma da catenária é determinada pela força da gravidade atuando sobre o cabo, resultando em uma curva suave e simétrica. Esse tipo de curva tem sido estudado em várias áreas, incluindo matemática, física e engenharia, devido à sua relevância em problemas práticos relacionados com a resistência de materiais, como a construção de pontes suspensas e a modelagem de cabos elétricos e correntes. O termo “catenária” vem do latim “catena”, que significa “corrente”.