Sonho de vôo, medo da queda | Eduardo Coimbra
Instigar as leis gravitacionais, tentar escapar da superfície terrestre, lançar-se no desconhecido. Da realidade à mitologia, o céu sempre foi um playground arriscado para a humanidade. Predestinado pelo sacerdócio ou cobiçado por artistas extravagantes e poetas convencidos em superar o grave peso dos corpos, céu é quimera e anseio. Porém, o desejo exige um salto imprevisível no vazio e, por vezes, a queda. Deslumbrado pelo vôo, atado em suas próteses aladas, Ícaro aproxima-se demais do sol, cai e morre atirado ao mar. Queda é potência poética, movimento imediato e concomitante ao impulso do vôo, ou seja, a queda se dá antes mesmo da queda em si. Para o filósofo Laurent Jenny, ela deve ser vista como uma inércia necessária a toda experiência e, consequentemente, a toda atividade, pois é “o peso que define a nossa existência no mundo, somos condicionados sempre a cair […] estar lá, levantar-se, tocar o chão, pesar, cair às vezes, é isso que define nossa presença terrena”.1
Eduardo Coimbra sabe disso e nos arremessa, ébrios de nuvens, em seus precipícios. Retira o solo dos nossos pés e nos coloca, imediatamente, diante do tropeço. O céu é um abismo de ponta cabeça, define. Assim, envolto em abismos, comungamos o infinito ressabiados do chão. Frente a frente, implacáveis, a escada e o fosso rememoram: é inevitável.
Ao tratar de nossa necessidade de reparo e contemplação, o Coimbra remete tanto ao flâneur benjaminiano como ao apreciador de imagens na galeria das palavras de Bachelard; ambos partilham de uma solidão e são capazes de penetrar em outro mundo, o mundo misterioso do símbolo ou da alegoria, o partilhar da imagem poética. “Sonho de vôo, medo da queda” explora através de céus e precipícios, imagens elementares da poesia, o lugar onde o homem se converte em imagem, em espaço, e os contrários se fundem. Entre duas turbulências, queremos voar, por hedonismo ou por ativismo, para nos salvar, fugir do peso insustentável do mundo, por isso construímos utopias, por isso almejamos o céu. “Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?”2, perguntaria Manuel Bandeira.
Paulo Kassab Jr.
1 JENNY, Laurent. L’éxpérience de la chute de Montaigne å Michaux. Tradução de Cupertino, Pedro na dissertação “O salto, a queda e a rúina: poéticas do fracasso em Guilherme Peters / Pedro Cupertino. — 2019.
2 Trecho do poema “A Morte Absoluta”. Manuel BANDEiRA.