À Espreita
Futebol – Políptico de 06
, 2008Memórias para o esquecimento
Por vezes se confundem memória e imagem, vivência e sonhos, gesto e palavra. A guerra narrada pela família, fuga imperfeita, os barcos à espera no porto, a chegada em um lugar onde se desconhece a fala… imagem. Os aviões em queda, as mergulhadoras que saltam quase em sincronia, os políticos retorcidos na tela da televisão. Imagem.
Neste caso, possivelmente, àqueles que escutam atentamente às histórias contadas mesmo sem jamais vivenciar os percalços vividos, em muito se assemelham aos que miram atentos através da janela, seja ela um vão concreto aberto para o mundo ou uma caixa receptora de imagens.
“Nenhum pássaro cruza, nenhum cão ladra. Estamos aqui e não lá, talvez pensemos aliviados, ainda que este “lá” esteja em imediata proximidade, ainda que os estrondos das armas que ouvimos bem aqui à nossa volta se confundam com aqueles emitidos ao vivo pela tevê”, escreve a curadora Marisa Flórido César.
Avisos
, 1970Morto Anônimo
, 1970Mobilização
, 1970Barbárie versus contatos I
, 1990Barbárie versus contatos II
, 1990Atalhos e Desvios
, 2011
Mesmo que diariamente submersos em fotografias, há sempre algo que se esconde do olhar, a câmera promete eternizar o momento, mas o instante escorre com o tempo, escapa do quadro que se quer história, mas consegue apenas retornar, se manifesta entre o que se vê e que se oculta.
Filha de imigrantes libaneses, em 1966 Ana Vitória Mussi vai à Kfaraakka 1 , cidade de seus ancestrais, em busca da memória que se fez esquecida e volta com caixas de negativos ainda hoje não revelados. Para ela aquilo que não se desvela, descortina mais do que a obviedade da cena imóvel.
O que nos diz Kfaraakka, vila da melancolia (tradução literal em árabe), fixada entre rolos de negativos a resguardar segredos? No prefácio do livro “Memória para o esquecimento, de Mahmud Darwich 2, o escritor Ricardo Lisías, bisneto de libaneses, conta que em 1982 perguntava sobre os bombardeios que voltavam a ocorrer em Beirute, porém não compreendia a explicação de sua mãe, mas ali mesmo entendeu por que os mais velhos da família pareciam ter um buraco por dentro.
Há esquecimento o suficiente para eles esquecerem? Resta o sabor do kibe, o nariz, as olheiras marcadas, um adesivo escrito maktub ao contrário e o sotaque que insiste em trocar o “p” pelo ‘b”. É um “remake”, pois estamos voltando ao que já foi imagem, filme de nós, condenados ao retorno pela negação, da qual a dialética não se liberta.
Com obras de diferentes fases da produção de Ana Vitória, “À espreita” expõe uma artista que enxerga pelas frestas, fotografa tudo o que se oculta entre o ver e o não-ver. Já não há mais a verdade/documento fotográfico, mas a sua invisibilidade e o constante embate entre a reminiscência e o esquecimento. Silêncio. Nenhuma gaivota… a imagem se sustenta por um triz.
Paulo Kassab Jr.
1. Cidade no norte do Líbano, de onde imigrou a família de Ana Vitória Mussi.
2. Darwich, Mahmoud – Mémoria para o esquecimento; 1. Ed – Rio de Janeiro: Tabla, 2021
A Trapezista
, 2010Horário Eleitoral – Políptico de 10
, 2021NA TV | Fuit hic, 1947 – 1993
BANG
, 2012Mergulho Na Imagem #2 – M
, 2009Mil e Uma Noites
, 2005Notas de Viagem (Líbano, 1966)
, 2006Série na TV, “Boxe na TV” – políptico de 12
, 1975Ana Vitória Mussi
Santa Catarina, 1943, Brasil.
Artista-fotógrafa, assim nomeada pelo crítico e curador Paulo Herkenhoff, Ana Vitória Mussi é responsável por uma vasta produção que integra fotografia, imagem em movimento, objetos e instalações. Entre 1968-1973, estudou arte com Ivan Serpa e fotografia com Kaulino e Ricardo Holanda, no Senac, Rio de Janeiro. De 1979 a 1989, trabalhou como repórter fotográfica. Sua obra, muitas vezes associada a uma sutil poética da resistência, oferece, por meio da linguagem artística, um campo para a crítica social, principalmente com relação à ambiguidade suscitada pelas imagens da mídia. Durante a ditadura militar do Brasil, por exemplo, desenvolveu pesquisa com jornais da época (série Jornais, 1970), atribuindo visibilidade à censura, além de ter utilizado a própria programação televisiva (série NA TV!, 1975-1996) como meio de expressão. Após este período, estudou serigrafia com Dionísio Del Santo e Evany Cardoso na EAV/Parque Lage, entre 1989 e 1990, e produziu a série Impressões [1992 – 1997], até começar utilizar os próprios negativos como suporte (série Negativos [1974 – 2006]). Ana Vitória Mussi já participou de diversas exposições, individuais e coletivas, no Brasil e no exterior.
Futebol – Políptico de 06
, 2008Ana Vitória Mussi
Avisos
, 1970Ana Vitória Mussi
Morto Anônimo
, 1970Ana Vitória Mussi
Mobilização
, 1970Ana Vitória Mussi
Barbárie versus contatos I
, 1990Ana Vitória Mussi
Barbárie versus contatos II
, 1990Ana Vitória Mussi
Atalhos e Desvios
, 2011Ana Vitória Mussi
A Trapezista
, 2010Ana Vitória Mussi
Horário Eleitoral – Políptico de 10
, 2021Ana Vitória Mussi
NA TV | Fuit hic, 1947 – 1993
Ana Vitória Mussi
BANG
, 2012Ana Vitória Mussi
Mergulho Na Imagem #2 – M
, 2009Ana Vitória Mussi
Mil e Uma Noites
, 2005Ana Vitória Mussi
Notas de Viagem (Líbano, 1966)
, 2006Ana Vitória Mussi
Série na TV, “Boxe na TV” – políptico de 12
, 1975Ana Vitória Mussi