Natureza Incontornável

No século XX, com a importância da tecnologia da imagem, conexões diversas e incalculáveis surgiram entre a fotografia e a pintura. As fotos – como acessórios, fonte de inspiração e temas – assumiram seu lugar nos ateliês. O piso e as paredes dos ateliês de uma vasta gama de artistas, muitas vezes permaneciam cobertos de fotos e imagens recortadas de revistas e jornais. Eugène Delacroix estudou o processo de fazer daguerreótipo e usou suas próprias fotografias como base para figuras pintadas na década de 1850.

Édouard Manet se inspirou em fotos e matérias da imprensa sobre o fuzilamento do imperador mexicano em “A Execução de Maximiliano” (1868 – 69)1. Henri Rousseau compunha seus quadros naifs a partir de imagens recortadas de jornais e, mais recentemente, David Hockney baseou-se em fotografias das casas californianas para pintar boa parte de suas piscinas.

Utilizando a mesma técnica, Kilian Glasner usa a imagem fotográfica como instrumento para suas obras. A paisagem e o momento de encantamento são levados ao ateliê para serem absorvidos e recriados. A fotografia permite uma pausa no olhar, que fica acomodado na câmera até o momento da criação.

“Natureza Incontornável” fala sobre as vivências de Kilian durante quatro meses na Chapada Diamantina. A imersão na natureza, em sua magnitude, provoca a expansão das sensações que são traduzidas em obras. Sentir cada espaço vivenciado e transformar-se também é método. Isolado, o artista torna-se pedra. Compreende o movimento das águas e os musgos que ladeiam suas paredes. A mão, já endurecida pelo esforço, insiste. Surgem as tormentas. Rios revoltos, angústias e perturbações revelam-se no papel.

Com o tempo Kilian se acostuma com a solitude e o escolhido exílio tecnológico. Busca a regeneração em rituais e medicinas locais. Encontra no Kambô, a vacina do sapo, uma forma de afastar estados negativos e entrar em harmonia com a natureza. Independente de crenças e superstições, o medicamento parece influenciar o trabalho ao deixá-lo mais fluido, desapegado da imagem perfeita da fotografia, porém mais atento às sensações. Um mergulho primordial na natureza, revisitado a partir de cada traço e das cenas ligadas ao reino vegetal. Os novos desenhos de Kilian Glasner surgem dos pesos dos passos, de referências do ambiente instintivo dos seres, de linhas que existem entre o domínio e o desprendimento, entre o automatismo e o transe, o racional e inconsciente.

Curadoria: Paulo Kassab Jr

1. Hans Ulrich Obrist, Caminhos da Curadoria. Ed. Cobogó, 2014