A Luminância do Breu

Em algum momento a vida nos oferece um encontro a sós, no escuro de questões que habitam o que foi, que é e o que projetamos. Um lance inevitável de dados faz um antes e depois, o corte cria o lastro de uma nova consciência. Bruno Vilela subverte e provoca esse encontro, através de uma ritualística do enfrentamento: ele vai ao breu para extrair de lá luminância e cor

A mãe de São João acende uma fogueira pra dizer que o filho nasceu

Assim, cria um espaço de confluência, onde sua grafia vibra no sonho e ecoa o avesso de si. Je est un autre. Lá e cá despertam planos e camadas em serigrafias e óleo. Bichos, bestas; deuses acordam as flores não identificadas a redução do ornamento. São o fruto, o rebento, aquilo que brota.

Na série que faz a narrativa da exposição, roxo; fúcsia e amarelo despontam significantes, ressoando o que irrompe após o acidente no calcanhar de Aquiles. O que é preciso romper para que se possa sustentar? É no isolamento; no olho que olha o filho; na incorporação do mantra; no encontro com a carne dos deuses, que o caminhar se reintegra

Eu sou e não sou. Uma consciência expande. O peixe se torna o cardume

Em Arqueologia do Inconsciente, a cena da matança pode ser também cópula. Em Kali, o que perturba também carrega no ventre, mãos. N´O Oráculo da Noite, o drácula que sanguessuga a representação, está entre vasos-berços de civilizações. Em Vishnu resgata Oxum, a sustentação liberta a sabedoria do feminino. Em O Teosofista o carvão está para o amarelo

Aos 25 anos eu vi um ipê amarelo e aquela epifania me marcou…

As últimas palavras de Wiliam Turner foram: Deus é o Sol

A imagem do eremita, que vive no ermo com intuitos contemplativos e espirituais, redimensiona a ritualística do enfrentamento. Eu só fiz o que fiz e estou falando aqui, porque eu me isolei. Assim como a ideia de símbolo. Para Vilela, são os símbolos que fazem a ponte do projeto ao processo

Etimologicamente, a palavra símbolo exprime o ato de levar o que se guarda. Uma das representações do símbolo são as mãos unidas, formando uma concavidade, num gesto de oferenda, doação. As mãos como símbolo de todos os símbolos, como revestimentos de significação, ou ainda com Schneider e caro a Vilela, a mão como manifestação corporal do estado interior do ser humano, indicando o estado de espírito, quando este não se manifesta pela via acústica

Ticiana Porto

São Paulo, 01 de Setembro de 2022