Em um tempo acelerado por circuitos digitais, concreto armado e extração contínua, Saulo Szabo propõe um gesto contrário: escutar o chão. Sua prática artística emerge da fricção entre corpo, arquitetura e paisagem, convocando a matéria viva — terra, sementes, pigmentos, galhos — não como representação, mas como presença atuante. A natureza, aqui, não é paisagem, é agente.
Coletor de resíduos e vestígios, Szabo devolve à arte o gesto primordial: tocar, colher, transformar. Em suas frotagens de cachoeiras em Boiçucanga, realizadas lado a lado com o lixo urbano ali deixado, o artista compõe uma cartografia crítica do consumo e da erosão — tanto da pedra quanto da ética ambiental. A instalação ocupa os 15 metros do corredor da Galeria Lume como um rio suspenso de memória e denúncia.
Na série de obras em que recolhe terra de futuros canteiros de obras, Szabo ergue um muro de terra condenada — matéria de um solo que, uma vez encoberto por cimento, jamais será tocado novamente. O muro, aqui, não é apenas limite: é luto, é índice de um mundo que se separa de sua origem.
“Cura” propõe um gesto simbólico. Galhos secos recebem pequenas porções de terra e água de territórios sagrados. Introjetada em pequenas ampolas, a terra é vacina.
Já na série “Raízes da Terra”, o artista torna visível o processo: o nascimento do pigmento, a mancha, o tempo, a falha, o resto — aquilo que escapa ao controle e à razão produtivista.
A pesquisa de Szabo se aproxima de cosmologias ameríndias e de filosofias da terra, onde não há separação entre natureza e cultura, e sim um entrelaçamento de existências. Como escreve Nego Bispo, é preciso “retirar da terra sem arrancá-la de si”. Assim, em sua obra, a terra não é recurso, mas relato. Um relato que pulsa, resiste, sangra e cura.
Com técnicas ancestrais e materiais devolvidos ao seu estado sensível, Saulo Szabo não constrói imagens: ele cultiva encontros. Entre o visível e o invisível, o orgânico e o político, sua obra nos convida a re-habitar o tempo da escuta — e a perceber que, talvez, a terra ainda fale conosco.