Antes de conhecer a Maré de Matos das instigantes coisas-artes que se situam, ou melhor, se deslocam em meio a espaços intersígnicos que a artista continuamente aproxima e tensiona, eu conheci a Mariana de Matos da fala- pensamento trovejante e desbordante, sem meias palavras nem “meias imagens”.

Já faz uns 5 anos que isso aconteceu, isso de vê-la/ouvi-la em um vídeo no qual sua fala-pensamento é acompanhada por um olhar-interrogação tão intenso e firme que de pronto tive a certeza de que aquela pessoa artista era alguém, no mínimo, muito interessante.

E era mesmo. É. Maré se distingue da maioria das pessoas artistas que surgiram no Brasil da década passada por lidar de modo bastante peculiar com a difícil questão das conexões possíveis entre poesia & arte & entre estas & as inúmeras camadas do real imediato.

Com sua fina inteligência sensível, fluida e serpenteante como o Rio Doce do seu tempo de criança e de até poucos anos atrás, a artista nos oferta um conjunto de objetos-conceitos que, ao tornar tangíveis questões cruciais desta época que pode ser a derradeira para a única espécie que nomeia a si mesma e a todas as demais formas de vida (e de morte), reafirmam a dimensão ética da obra de arte, porquanto vão além da mera fisionomia “bonita” e previsível de grande parte daquelas “peças” desprovidas de força anímica (e de imaginação) que inundam o ambiente artístico, hoje, e não só no Brasil.

Mais que apenas denunciar o que há de podrido e irrecuperável no aqui e agora do mundo, alguém, parece, deseja puxar conversa sobre outras hipóteses de mundo. Os antigos davam a tal gesto o nome de poesia.

Ricardo Aleixo
Poeta, artista e pesquisador de literatura, outras artes e mídias.
Doutor em Letras pela UFMG, por Notório Saber.

Berkeley, EUA
fev 22