Em cada peça moldada por Raphael Oboé pulsa a memória da terra. Autodidata por escolha e por destino, o artista caminha pelos arredores da serra do Japi como quem colhe histórias adormecidas no barro. Reconhecem no solo a matéria viva de sua arte — argila selvagem, chamote, areia — elementos que atravessam séculos e carregam o silêncio.

Antes de ser forma, a argila é gesto: lavada, cuidada, transformada com a paciência de quem respeita o tempo da terra. No polimento com cristais rolados, no brilho sutil da superfície bruñida, há um diálogo sagrado entre mão e matéria, entre passado e presença. A queima, feita em forno a lenha construído por ele mesmo, sela esse rito ancestral com a fumaça da semi-redução, fundindo o fogo ao barro, como se o próprio coração da terra batesse ali.

A obra de Oboé é uma travessia — entre montanhas e sons, o grafite e o urbano, a música que vibra do Caribe à cordilheira andina. Sua cerâmica é encontro entre o tempo dos povos originários das Américas e as urgências do agora. Evoca a arte pré-colombiana e sul-americana não como referência estética, mas como continuidade viva de uma herança que ainda pulsa.

Surge aqui não só os traços de sua mão, mas as marcas de sua caminhada. São peças que falam de sua vida, de suas raízes e escutas. Oboé cria com o barro como quem escreve com o corpo, com o som e com o silêncio das pedras.

Sua cerâmica não é objeto. É paisagem. É rito. Canção gravada no barro