Roll up for the mystery tour

Há uma cor que me persegue e que eu odeio,
Há uma cor que se insinua no meu medo.
Porque é que as cores têm força
De persistir na nossa alma,
Como fantasmas?
Há uma cor que me persegue e hora a hora
A sua cor se torna a cor que é a minha alma.
Ricardo Reis.

Na encruzilhada, entre o azul e o verde, seguindo a linha vermelha, ao lado do amarelo de um Van Gogh que incursiona por terras cariocas (“Vincent e o Rio”), encontram-se Frankie Valli (“Can’t take my eyes off you:) e “Zé Keti”. Pode parecer uma convergência inusitada, mas aqui não há regras a não ser as cores que se repetem e, tal qual o Ritornello1 em uma partitura, aos poucos definem e referenciam os espaços a serem decifrados.

Se na poesia Rimbaud revela as cores das letras: “A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais: ainda desvendarei seus mistérios latentes”2, em “Fatos Cromáticos”, de Eduardo Coimbra, a cor, que invade as paredes, enquadra e conecta cada uma das obras, é um enigma a ser descoberto. Seria o azul de “Quasiláteros” a mesma água que transborda em “Mar del Plata”? E o amarelo, que emerge em “In a Sunset Mood”? Será o sol ou apenas a luz que pisca no “Chip” e acende a vela em um samba colorido de “Ze Keti”?

Construídas através da sobreposição de um conjunto de diferentes formas geométricas, pretas, brancas, amarelas, verdes, vermelhas e azuis, as obras de Edu exploram a espacialidade e rotulam retângulos, quadrados, vãos e frestas, pela recorrência da cor. Do mesmo modo que os os arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, ao projetar o Centro Georges Pompidou em Paris, definem diferentes cores aos sistemas elétricos, hidráulicos e de locomoção como estratégia de identificação por associação3, Coimbra nos informa que a cor é um lugar, porém, cabe a nós deslocá-lo de qualquer funcionalidade arquitetônica para nomeá-lo a contento da imaginação.

As esculturas, semelhantes a maquetes, suporte frequentemente utilizado pelo artista, são na verdade “maquetes-sonhos, que propõem outras leituras de nossa paisagem mais humana”, como bem definiu Adolfo Montejo Navas4. Ao se deparar com elas, “prepare-se para a viagem misteriosa” em que os tais sistemas de representação não tem compromisso algum senão com o devaneio: queremos atravessá-los, adentrar as escadas, tocar as teclas, abrir as persianas para ver o mar e, quem sabe, enxergar, pesada e vagarosa, uma grande morsa sentada em um jardim inglês a esperar o sol5.

Paulo Kassab Jr.

1. Na música, O Ritornelo é um símbolo representado por duas barras verticais, seguidas de dois pontos. Os dois pontos ficam virados para a direção em que devemos seguir. Esse sinal geralmente é utilizado em pares, que indicam o trecho que deve ser repetido.
2. Rimbaud, Vogais. Tradução: Augusto de Campos
3. No Centro Georges Pompidou, em Paris, As tubulações azuis são usadas para ar condicionado, as verdes representam o circuito de água, as amarelas contêm os dutos elétricos, as brancas indicam as torres de ventilação, enquanto todas as vermelhas, simbolizam elementos relacionados à circulação no edifício.
4. Adolfo Montejo Navas, Isto não é uma maquete, 2003 – texto incluído no livro Eduardo Coimbra, editora Casa da Palavra, 2004
5. Trecho da música I’m the Walrus, The Beatles, 1967