Reconstruir e criar um novo significado para o espaço por meio da geometria é uma característica marcante do trabalho da artista Amalia Giacomini. Em sua nova exposição, Canteiro, em cartaz a partir de 6 de março na Galeria Lume, ela apresenta um conjunto de trabalhos inéditos desenvolvidos com materiais que considera ordinários, banais, e que desafiam o olhar do espectador.
Os materiais que compõem as obras são determinantes para a relação com a arquitetura da Galeria e com o corpo observador. Correntes, linhas de bordado, madeirite e carpetes colocam à prova elementos fundadores da experiência espacial, como a linha e o plano, através de uma “geometria cotidiana”. Ao todo, serão exibidas dez obras, incluindo uma grande escultura – que transita no limite entre uma pintura, uma escultura ou mesmo uma arquitetura efêmera – além de bordados, objetos e uma instalação com correntes.
“As obras entrelaçam questões em torno da nossa percepção espacial e da sua própria construção, e estão ancoradas no espaço da exposição. Dividem, alteram e fabulam o espaço, convidando o visitante a uma íntima relação com sua própria posição na Galeria.”, explica Giacomini.
Como um canteiro de obras, Amália experimenta e constrói suas obras livremente a partir de aspectos que fazem parte de seu repertório de vida e de sua formação em arquitetura, a afinidade com a matemática, filosofia e história da arte e experiências do passado.
Para a mostra, a artista retomou o bordado, que não praticava desde os seus 12 anos. Desfrutando da experimentação, algumas obras, que seriam de desenhos geométricos e exigiriam uma precisão ideal, foram confeccionadas em bordado. “Ao invés de fazer um desenho supostamente preciso com lapiseiras de diferentes espessuras de grafite, quis experimentar com o bordado, devido às limitações físicas do material e às diferentes possibilidades de imprecisão na prática”, pontua Amália.
O conjunto expositivo dialoga entre si e desconstrói o espaço da galeria a todo instante, com obras variando em movimento e criando uma nova imagem do local. “Mudar e reconstruir o espaço é, de uma certa forma, voltar à ótica do espaço menos funcional no qual podemos ver o mundo sem o cansaço presente, característico da sociedade de informação. O que isso significa? Ver com olhos sensíveis o bastante para enxergar o invisível, que nada mais é do que o demasiadamente visto e, por isso, não observado”, reflete Paulo Kassab Jr, que assina a curadoria da exposição.
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Nossa visão do mundo surge de constantes e variadas interações. Somos a soma de inúmeras sensações de ordem visual, auditiva, olfativa e tátil. Não se pode escapar do fato de que pessoas criadas em ambientes distintos, também vivem em mundos sensoriais diferentes.
Tudo o que fazemos e somos está vinculado à vivência do espaço. Se toda experiência humana é espaço-temporal, em “Canteiro” Amália brinca, desconstrói e ressignifica o espaço com a certeza de que dele depende a infalibilidade da memória e do tempo. É neste jogo que surge o encantamento: destituído de padrões adquiridos e da obrigação do olhar funcional, o espectador desperta imediatamente para aspectos normalmente imperceptíveis.
Qual a função da dobradiça senão dobrar (“Dobra Dura”)? Decerto a mesma de um “abridor de amanhecer1”, um “encolhedor de rios1” ou um “esticador de horizontes1”, desconstruir a imagem, deslocar o olhar do útil, fazer imaginar ou fazer poesia. Veja bem o que diz a imagem no “Quadro negro”, talvez o nome da obra não seja acaso, mas um alerta, uma instrução. Nem tudo está ali. Amalia Giacomini é uma artista do espaço. Utilizando-se de materiais corriqueiros como madeirite, correntes, linhas de costura e giz, suas obras constroem lugares únicos a partir do diálogo minucioso e preciso com o local de sua instalação. Na busca pelo desvio que singulariza o objeto, ou pelo ângulo que distorce o racional, “Canteiro” relembra que “Aqui o espaço é tudo, pois o tempo já não anima a memória”. (Bachelard, 1993, p. 28-29)
1 BARROS, Manuel. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: